5 de jan. de 2011

PROJETO DE LEI 7672 de 2010

Texto original

Altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos corporais ou de tratamento cruel ou degradante.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1o A Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos:

“Art. 17‐A. A criança e o adolescente têm o direito de serem educados e cuidados pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou vigiar, sem o uso de castigo corporal ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação, ou qualquer outro pretexto.

Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, considera‐se:

I ‐ castigo corporal: ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente.
II ‐ tratamento cruel ou degradante: conduta que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança ou o adolescente.

Art. 17‐B. Os pais, integrantes da família ampliada, responsáveis ou qualquer outra pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou vigiar crianças e adolescentes que utilizarem castigo corporal ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação, ou a qualquer outro pretexto estarão sujeitos às medidas previstas no art. 129, incisos I, III, IV, VI e VII, desta Lei, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.”
(NR)

“Art. 70‐A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios atuarão de forma articulada na elaboração de políticas públicas e execução de ações destinadas a coibir o uso de castigos corporais e de tratamento cruel, tendo como principais ações:

I ‐ a promoção e a realização de campanhas educativas e a divulgação desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos;

II ‐ a inclusão nos currículos escolares, em todos os níveis de ensino, de conteúdos relativos aos direitos humanos e prevenção de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente;

III—a integração com os órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, do Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente nos Estados, Distrito Federal e nos Municípios, Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, e entidades não governamentais

IV ‐ a formação continuada dos profissionais que atuem na promoção dos direitos de crianças e adolescentes; e

V ‐ o apoio e incentivo às práticas de resolução pacífica de conflitos que envolvam violência contra criança e adolescente.” (NR)
Art. 2o O art. 130 da Lei no 8.069, de 1990, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo:

“Parágrafo único. A medida cautelar prevista no caput poderá ser aplicada ainda no caso de descumprimento
reiterado das medidas impostas nos termos do art. 17‐B.” (NR)

Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília,

PL‐ALT L‐8.069 ESTATUTO CRIANÇA ADOLESCENTE(L4)

Crianças torturadas

Daniel Emídio de Souza

Uma mãe, preocupada com o filho de 2 anos, luta para a criança engolir uma medida de um medicamento de gosto desagradável, mas necessário para o tratamento proposto. Um adulto, parente da criança, a observar de perto a situação, resmunga: “Se fosse comigo, antes do terceiro pescoção, ele engolia o remédio bonitinho”. Outro homem, bem-vestido e educado, interrompe a minha fala em uma reunião de pais e professores em um colégio da cidade e oferece o seu parecer: “Agradeço a meu pai pelas surras que ele me deu. Hoje sou um homem de bem”. Um médico, atencioso e dedicado a seu trabalho e ao estudo da fisiologia, explicou-me, um dia: “Sei que é bobagem, mas não tomo banho depois do jantar; é morte certa. Aprendi com minha avó”.

Percebeu o leitor que três bobagens foram enumeradas. Poderiam ser centenas assinalando grosseiros enganos cultivados pelos adultos, em todas as direções, acerca de todos os assuntos, mas o que fazem com as crianças são artimanhas espantosas e “diabólicas”. Notícias revelam castigos, torturas e maus-tratos aplicados a uma criança. O episódio, chocante e terrível, contém uma clara demonstração da maldade própria do animal humano. Pessoas muito envolvidas com entendimentos religiosos tradicionais poderão encontrar explicações atenuadoras, atribuindo a forças não humanas o aspecto degradado e violento nos (e dos) adultos contra a criança. Na verdade, a covardia não é só contra a criança, mas contra os que são mais fracos por qualquer motivo e, portanto, indefesos, incluindo os animais e a natureza como um todo.

Ao adulto que prometia espancar a criança de 2 anos ou castigá-la fisicamente de outro modo ou deixá-la de castigo em um canto, é preciso esclarecer que nessa idade a criança não pode compreender essa atitude dos adultos ou, melhor, ela compreenderá de uma forma inesperada e com um repertório imaturo e em desenvolvimento nela. Nunca terá o entendimento que o adulto supõe. Muita gente grande pensa que criança é como um adulto pequeno. Não é! Os espancamentos, castigos físicos ou morais, os gritos, as ameaças, revelam não só ignorância grave sobre a mente infantil, como também são “sintomas” da falta de sabedoria, pouco desenvolvimento emocional, dificuldades para identificar seus sentimentos e saber que estão agindo em função do ódio.

Bater na criança, castigar, produzir sofrimentos, em nome do amor, é mentira. Sei que é uma mentira apreciada por muitos pais, até mesmo por aqueles dotados de esclarecimentos acadêmicos. Não são conhecedores do mundo emocional humano e muito menos da criança. As atitudes nascidas da impaciência e do ódio são, sim, eficazes, nunca duvidem disso. São eficazes para a criação de “núcleos” geradores de ansiedade, perturbadores da ordenação da vida mental e reorientadores do desenvolvimento psicológico. A sociedade como um todo começa, parece, a perceber a existência de um sentido para tanta violência, da mesma forma como os sintomas psicológicos têm um sentido.

Vi, com bom ânimo, que as autoridades que cuidam do presente caso são, sobretudo, mulheres e mães, fato importante para mudança das crenças ancestrais acerca da relação com os pequenos, uma relação que precisa excluir a mentira, a maldade e o autoritarismo. Para uma ampla compreensão do relacionamento entre pais e filhos, todo pai precisaria ser um pouco mãe, já que as mães, com muita freqüência, sabem ser um pouco pai.


Jornalistas sensíveis foram também à procura da história da agressora. Tais desastres não acontecem por acaso. Existe uma história a ser revelada, e quase sempre uma história de abandono, violência e prolongados sofrimentos. Prolongados sofrimentos têm repercussões sobre a vida psicológica e sobre o próprio desenvolvimento físico-neurológico. Têm razão os que foram procurar tais dados históricos. Com muita probabilidade encontrarão desastres na vida da mãe agressora e das outras pessoas que, de alguma maneira, foram coniventes. Da mesma forma, o adulto que sugeria o espancamento da criança de 2 anos que se recusava a ingerir um medicamento de gosto desagradável, deve trazer no íntimo uma história marcada pela violência, formas variadas de humilhações e agressões.

Esses padrões de violência física e moral são transmitidos de uma geração a outra e se perpetuam, assim como conhecimentos do âmbito da cultura popular, instalados na cabeça da criança e que perturba, por exemplo, o médico e seu conhecimento de fisiologia, como mencionado acima. Experiências vividas na infância, conhecimentos folclóricos – medicina popular, crenças, conceitos religiosos – e inúmeros outros aspectos da vida, permanecem enraizados com a aparência de verdades dogmáticas. Por esta razão, um homem, durante a conversa na escola, publicava a vantagem de ter sido “surrado” ou castigado pelo pai. Bater na criança, seja em nome do que for, é um exercício de crueldade e maldade, expressão de raiva, impaciência e falta de conhecimento, atitudes que precisam ser substituídas, se quisermos contribuir para o máximo possível de desenvolvimento da criança.


Daniel Emídio de Souza é psiquiatra.

Artigo Publicado no jornal "O Popular" em 31 de março de 2008